Na mídia
Fonte: Capital Aberto
Por: Caio Watanabe Rocha de Mello e Romulo Landim
Autorizados pela CVM a se comportar de forma muito parecida com os Fundos Imobiliários “Multiestratégia”, a partir de maio os Fiagros terão a forma de atuação ampliada para diferentes classes de ativos
Você certamente já ouviu falar nos famosos “FII” – fundos de investimento imobiliário e provavelmente até já investiu ou ainda investe em alguns deles. O que nem todo mundo conhece ainda, são os “Fiagro” - fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais. Este texto vai permitir conhecer, de forma direta o que são os Fiagro e as suas semelhanças e diferenças com os “primos” mais famosos, os FII.
Foi considerando a história de sucesso dos FII que os Fiagro foram inseridos em nosso ordenamento jurídico pela Lei 14.130, de 29 de março de 2021. Os Fiagro nasceram com o objetivo de reduzir os subsídios governamentais ao crédito rural e de disponibilizar ao público investidor um veículo seguro na forma de fundo de investimento. Sua missão é aproximar o mercado financeiro e de capitais ao agronegócio, possibilitando um aumento significativo de crédito e de recursos para investimentos nas cadeias agroindustriais.
Os Fiagro já possuem cerca de 660 mil cotistas pessoas físicas e o patrimônio líquido acumulado atingiu R$ 40,9 bilhões em 2024, segundo dados da ANBIMA, sendo a categoria Fiagro-FII a mais representativa, respondendo por uma fatia de 44% do total, com o Fiagro-FIP e o Fiagro-FIDC vindo na sequência, com 41,8% e 14,2%, respectivamente.
São veículos de investimento que permitem a aplicação em ativos diretamente ligados ao setor agroindustrial. Estes fundos, classificados como condomínios de natureza especial, podem ser abertos (com possibilidade de resgate de cotas) ou fechados (sem resgate). Em sua essência, o Fiagro é uma ferramenta flexível e abrangente, ideal para a complexidade do setor agroindustrial, que vai além da produção e processamento de commodities, incluindo a distribuição, armazenamento, logística, financiamento e controle de qualidade.
Os Fiagro permitem que investidores participem de uma ampla gama de ativos, como: (i) imóveis rurais; (ii) participações em empresas do agronegócio; (iii) ativos financeiros e títulos de crédito de pessoas físicas e jurídicas do setor; (iv) direitos creditórios e ativos financeiros do agronegócio; (v) direitos creditórios imobiliários de imóveis rurais; e (vi) cotas de fundos que investem nesses ativos. Recentemente, a Resolução CVM nº 214 autorizou o Fiagro a adquirir também créditos de carbono e de descarbonização (CBIOs).
Os Fiagro foram autorizados recentemente pela CVM a se comportar de forma muito parecida com os Fundos Imobiliários “Multiestratégia”. Os Fiagro poderão, a partir de maio, serem constituídos para aplicação em ativos variados, já que assim como os FII, a carteira de um Fiagro pode englobar direitos reais sobre imóveis, títulos e valores mobiliários e até mesmo direitos creditórios.
Aqui vale mencionar, que a Lei nº 8.668 autoriza os Fiagro a investirem em imóveis rurais e com base nessa ideia a CVM ampliou o conceito de imóvel rural. Com isso, a autarquia possibilitou que os Fiagro passem a investir em imóveis não rurais, ou seja, aqueles localizados em áreas urbanas, mas que sejam destinados à atividades rurais.
Para ambos os fundos, a classe restrita, pode dispensar a elaboração de laudo de avaliação para integralização de cotas em ativos. Por outro lado, a CVM autorizou somente às classes restritas dos Fiagro, que seja previsto no Regulamento, a existência de encargos que não estão previstos na regulamentação. Essa flexibilização sempre foi uma demanda dos FII, mas que até então, a CVM entende não ser possível.
Outro ponto bastante relevante, e que diferem os Fiagro dos FII é a permissão de aquisição direta de direitos creditórios. A possibilidade de investir diretamente em direitos creditórios é uma demanda antiga do mercado de FII, mas, por não estar prevista na Lei nº 8.668, a CVM nunca autorizou, o que ajuda a explicar o alto volume de emissão de CRIs.
Esse é um ponto favorável para os Fiagro, já que o investimento nesse tipo de ativo foi incluído diretamente na lei e a CVM apenas definiu que caso haja na política de investimentos uma concentração de mais de 50% do patrimônio líquido de um Fiagro em ativos que também sejam objeto de investimento de outra categoria de fundo, este deverá observar também as regras aplicáveis a este outro fundo. Nesse sentido, é possível que um Fiagro tenha que observar as regras próprias dos Fiagro, como também, subsidiariamente as regras de FII, de FIP ou até mesmo de FIDC.
Ainda, quando há integralização de cotas em bens e direitos nos Fiagro, existe a possibilidade de diferimento do pagamento do imposto sobre a renda decorrente do ganho de capital, o que não está previsto para os FII. Assim, os Fiagro possuem uma vantagem na integralização de cotas com bens, já que a pessoa física ou jurídica poderá diferir o IR para a data definida para o momento da venda das cotas, ou por ocasião do seu resgate, no caso de liquidação do fundo. Ainda, outra vantagem é que o imposto sobre a renda diferido será pago em proporção à quantidade de cotas vendidas.
Uma diferença estrutural entre os dois veículos é que os Fiagro podem ser abertos (com resgate) ou fechados (sem resgate), enquanto os FIIs são apenas fechados. Isso impacta a gestão da liquidez, já que os cotistas dos Fiagro podem resgatar recursos com maior frequência e imprevisibilidade. Apesar disso, os FIIs, mesmo sem resgate, possuem boa liquidez no mercado secundário, especialmente os incluídos no IFIX.
Outra diferença crucial está na obrigatoriedade que os FII têm de distribuir, no mínimo, 95% dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa, com base em balanço ou balancete semestral, o que não é aplicável aos Fiagro. Essa diferença traz grandes impactos na estrutura dos fundos, pois, no caso do Fiagro, o gestor pode reinvestir e revolver os recursos provenientes dos rendimentos dos ativos alocados, aumentando o patrimônio líquido do fundo e, consequentemente, o valor patrimonial da cota para os cotistas, sem a obrigatoriedade de distribuição imediata.
É essencial que os investidores compreendam as semelhanças e diferenças dos produtos para garantir o desenvolvimento saudável dos Fiagro. Neste sentido, é preciso considerar as dinâmicas e riscos específicos dos setores de cada fundo. Nos FII, o foco é no setor imobiliário, que tem financiamentos mais longos, de até 15 anos (ou mais), e receitas mensais provenientes de locação ou venda. Essa estrutura expõe os FIIs a riscos como mudanças regulatórias urbanísticas, taxa de ocupação e desvalorização dos ativos.
Já na agroindústria, os investidores ficam expostos a outros riscos específicos, como por exemplo os riscos climáticos, pragas e da volatilidade dos preços das commodities. A dinâmica da sazonalidade do setor também é um fator que impõe a necessidade de respeitar o período de safra das culturas, o que torna a estruturação de Fiagro com pagamentos mensais mais complexa, uma vez que cultura do café, por exemplo, possui apenas uma safra anual, o que significa que os cafeicultores só dispõem de liquidez para cumprir suas obrigações uma vez por ano.
A evolução dos FIIs nas últimas três décadas no Brasil demonstra o sucesso desse modelo de investimento, tornando o setor imobiliário mais acessível e seguro para investidores. O Fiagro amplia esse conceito ao levar essas vantagens para o setor agroindustrial, essencial à economia nacional.
Ainda comparando aos FIIs, os Fiagro mantêm semelhanças em termos de estrutura e propósito como veículos de crédito e investimento em ativos físicos. No entanto, suas diferenças são marcantes, como a possibilidade de investir diretamente em direitos creditórios do agronegócio e o potencial para uma gestão de liquidez mais flexível, devido à possibilidade de constituição em formato aberto.
O sucesso dos Fiagro exige compreender as particularidades e riscos do agronegócio, distintos dos do setor imobiliário. Com uma regulação sólida da CVM, ambos os fundos oferecem segurança e estímulo ao investidor, contribuindo para o crescimento dos setores imobiliário e agroindustrial, pilares da economia brasileira