Na mídia
Fonte: InfraNews
Como a Lei nº 14.133/2021 transforma a reutilização de consórcios em uma solução eficiente e juridicamente segura para novas contratações públicas
A crescente demanda por serviços públicos eficientes e a necessidade de otimização de recursos vêm impulsionando a Administração Pública a buscar novas formas de aprimorar suas contratações. Nesse contexto, a formação de consórcios entre empresas para a execução de grandes e complexos contratos (não há novidade nisso) tem se tornado uma prática ainda mais comum.
Ao longo dos anos, a utilização dos Consórcios ganhou larga regulação fiscal e previdenciária, equiparando seu uso, na prática, à constituição de uma sociedade. Sabemos que o Consórcio doutrinariamente não tem personalidade jurídica, mas as regras hoje vigentes incentivam que os Consórcios contratem mão de obra, adquiram equipamentos e insumos em geral em grande quantidade, como se pessoa jurídica fossem. E o desfazimento dos Consórcio – providência que decorre do encerramento dos respectivos contratos para os quais foram constituídos – passa a representar uma perda de energia e de recursos financeiros muitas vezes desnecessária.
Neste ambiente, surge um questionamento entre os operadores do Direito Administrativo no que diz respeito à reutilização de consórcios já formados para a execução de novos contratos públicos, especialmente quando o objeto do novo contrato é idêntico ao anterior.
Este debate ganha ainda mais relevância com a entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021, que trouxe inovações ao regime de licitações e contratos no Brasil. Na vigência da Lei nº 8.666/93, a participação de consórcios em licitações estava condicionada à previsão expressa no edital, conforme disposto no art. 33. Isso muitas vezes resultava na exclusão de consórcios de vários certames, sem qualquer necessidade de justificação pela Administração, limitando a participação de empresas com diferentes capacidades técnicas e econômicas, o que restringia a competitividade e inovação.
Com a Lei nº 14.133/2021, essa limitação foi atenuada. Seu art. 15 estabelece que a participação de consórcios é permitida em regra, podendo somente ser vedada mediante justificativa formal da Administração. O novo diploma favorece a união de empresas com diferentes capacidades, promovendo maior competitividade e viabilizando a execução de projetos de maior envergadura e complexidade, o que era dificultado pela legislação anterior.
Embora essa mudança traga maior clareza, uma questão se coloca: é possível reutilizar o consórcio previamente constituído para a execução de um novo contrato público?
Inalteração do objeto e da composição societária: continuidade na execução dos serviços
Uma das principais justificativas para a reutilização de um consórcio já constituído é a identidade entre os objetos dos contratos anteriores e atuais. Quando o consórcio foi formado para executar um serviço público, como a limpeza urbana ou o manejo de resíduos sólidos (prestação de serviços em regime contínuo), e o novo contrato possui o mesmo escopo, a reutilização da estrutura jurídica e operacional faz-se não apenas possível, mas também altamente recomendável, com vistas à continuidade e eficiência do serviço público.
No caso de contratos de concessão de serviços essenciais, como a limpeza urbana, a continuidade é um princípio basilar que deve ser observado pela Administração Pública. O artigo 6º, §1º, da Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995) reforça essa exigência, ao dispor que os serviços devem ser prestados de maneira contínua, sem interrupção. Ao permitir a reutilização do consórcio, a Administração assegura que a transição entre contratos ocorra de maneira suave e eficiente, garantindo a prestação ininterrupta dos serviços essenciais à população.
Outra circunstância que reforça a legitimidade do reaproveitamento da estrutura consorcial e elimina qualquer risco de irregularidade é a manutenção da composição societária e do percentual de participação das consorciadas entre um compromisso de consórcio e outro. Isto é, quando as mesmas empresas permanecem com as mesmas proporções de responsabilidades e participação, o consórcio mantém sua identidade jurídica e organizacional, o que assegura que as condições previstas no edital e no contrato anterior continuam a ser cumpridas.
A flexibilidade jurídica do consórcio e a otimização de recursos
A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) consagra o consórcio como uma ferramenta de flexibilidade, eficiência e fomento da competição nas contratações públicas. O artigo 15 da lei autoriza a participação de consórcios, desde que cumpridos os requisitos de formalização e registro, permitindo que empresas unam esforços para concorrer em grandes certames. No entanto, a legislação não estabelece restrições quanto à reutilização de consórcios para novos contratos.
A principal disposição é a do art. 15, § 3º, que estabelece que o licitante vencedor é obrigado a promover, antes da celebração do contrato, um compromisso de constituição de consórcio no futuro.
Quanto ao momento da constituição dos consórcios, Marçal Justen Filho ensina que “a promessa de constituição do consórcio deverá ser apresentada para comprovar o preenchimento de requisito de participação na licitação. Isso não significa vedação a que o consórcio tenha sido constituído em momento anterior ao início da licitação.”
Isto é, a apresentação do compromisso não impede a reutilização de consórcios formados e registrados previamente. Tal entendimento é corroborado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná, que já decidiu: “Nenhuma alusão há na lei, pois, quanto à suposta exigência de a inscrição no CNPJ anteceder a assinatura do contrato ou realizar-se contemporaneamente a ela.”
Essa ausência de vedação legal permite interpretar que a reutilização de um CNPJ consorcial já registrado, por exemplo, é plenamente compatível com os princípios da legalidade e economicidade. Quando o consórcio formado previamente já possui uma estrutura jurídica consolidada, com registros fiscais, cadastros bancários e linhas de crédito aprovadas, a manutenção dessa estrutura para um novo contrato se torna não apenas uma solução viável, mas a mais eficiente para todas as partes envolvidas.
Afinal, a Constituição Federal, em seu artigo 37, prevê o princípio da eficiência como um dos pilares da Administração Pública, o que implica a busca por soluções que otimizem a utilização de recursos. A reutilização de consórcios evita a burocracia de se criar uma nova entidade e permite que o consórcio previamente constituído aproveite sua experiência técnica e infraestrutura, sem a necessidade de processos demorados para transferência de ativos ou criação de novas entidades.
Mitigação de riscos e diálogo com a Administração Pública
Embora a reutilização de um consórcio seja juridicamente possível, alguns procedimentos formais devem ser adotados para mitigar riscos e evitar questionamentos. O principal cuidado diz respeito à alteração do objeto social do consórcio, que deve ser ajustado para incluir o novo contrato. Essa alteração deve ser formalizada na Junta Comercial e comunicada à Receita Federal, garantindo que o CNPJ do consórcio continue ativo e regular para a execução dos novos serviços.
Por fim, é recomendável que o consórcio faça uma comunicação oficial à Administração Pública, informando sobre a alteração do objeto e a continuidade da estrutura jurídica. Esse diálogo reforça o compromisso da parte contratada com a boa-fé e com a transparência, evitando questionamentos futuros, especialmente por parte de concorrentes ou órgãos fiscalizadores.
Conclusão: Reutilizar para Otimizar
Em resumo, a reutilização de consórcios já constituídos, especialmente quando o objeto dos contratos permanece inalterado, é uma solução que beneficia todas as partes envolvidas, trazendo agilidade, segurança jurídica e eficiência ao processo de contratação pública.
No âmbito das concessões, ao garantir a eficiência e continuidade na prestação dos serviços, cria-se um ambiente propício para que as metas de universalização sejam alcançadas de maneira mais célere, abrangente e com elevado grau de satisfação pela concessionária.
A reutilização também reduz os riscos de interrupção dos serviços e oferece à Administração Pública a certeza de que as empresas já envolvidas na execução do contrato possuem a expertise técnica e operacional necessária para dar continuidade ao projeto, garantindo, assim, um serviço de qualidade à população.