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Fonte: Estadão
Alexandre Herlin é advogado e sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, Conselheiro da Associação Brasileira de Direito Financeiro - ABDF e Membro da International Fiscal Association.
Com o propósito de reduzir as carências e as desigualdades sociais urbanas, agravadas com a pandemia de Covid-19, a Lei Federal nº 14.620/2023 restabeleceu o Minha Casa Minha Vida (MCMV) para atender o maior número de famílias de baixa renda, priorizando aquelas com a renda mensal de até R$ 2.640,00, classificadas na Faixa 1 do programa.
O projeto reabriu, também, a possibilidade de as incorporações imobiliárias que se enquadrarem nesse novo programa apurarem o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS de forma simplificada, unificada e incentivada, por meio do regime especial de tributação (RET) de que trata a Lei Federal nº 10.931/2004 .
O RET geralmente é calculado mediante a aplicação do percentual de 4% sobre a totalidade das receitas auferidas com a venda das unidades autônomas resultantes de uma incorporação imobiliária, mas, se tratando de projetos que envolvam imóveis de interesse social, a exemplo daqueles que fazem parte do MCMV, esse percentual diminui para 1%.
Isto posto, particularmente no que diz respeito à aplicação do RET de 1% ao novo MCMV, a Lei Federal nº 14.620/2023 estabelece que:
a) os projetos de incorporação de imóveis residenciais de interesse social beneficiados são aqueles destinados a famílias cuja renda se enquadre na Faixa Urbano 1;
b) o valor da unidade (de até R$ 100.000,00), que antes era necessário para a fruição do RET de 1%, não constitui mais requisito para o RET de 1%;
c) a existência de unidades destinadas a outras faixas de renda no mesmo empreendimento não impede a fruição do RET de 1%;
d) caberá à Receita Federal do Brasil (RFB) a tarefa de regulamentar a matéria.
Além de reproduzir os requisitos previstos, a lei explicitou que a comprovação da renda classificada na Faixa Urbano 1 deve se verificar no momento da celebração do contrato de venda da respectiva unidade.
Diante desse cenário, se o projeto de incorporação imobiliária de imóveis residenciais de interesse social estiver enquadrado no novo MCMV e comercializar ao menos uma parte das suas unidades a famílias com renda mensal classificada na Faixa Urbano 1, ele estará apto a usufruir do RET de 1% em relação ao empreendimento como um todo.
Por outro lado, se a incorporação imobiliária compreender também vendas de unidades a famílias que se enquadrem em outras faixas de renda do MCMV, por expressa disposição legal, não constitui impedimento para a fruição do RET de 1%.
Cabe salientar que o programa não define qualquer proporção em relação à quantidade de unidades a serem comercializadas a famílias cuja renda se enquadrem na Faixa Urbano 1 ou mesmo quando essas vendas devam ser feitas para usufruir do RET de 1%. Por exemplo, tem que ser a primeira venda ou ela teria que ocorrer antes ou depois da formalização do requerimento de opção?
Em razão disso, temos visto algumas incorporadoras cogitando adotar, de forma conservadora, uma espécie de regime misto para uma mesma incorporação imobiliária. Isto é, aplicar o RET de 1% para unidades vendidas para a Faixa Urbano 1 e o RET de 4% para unidades vendidas para outras faixas de renda familiar do MCMV.
A interpretação sistemática dos dispositivos da própria Lei Federal nº 10.931/2004, no entanto, nos leva à conclusão de que não há previsão legal que respalde a aplicação de tratamento diferenciado a uma mesma incorporação no âmbito do RET.
Com efeito, o emprego das expressões “cada incorporação”, “pagamento mensal unificado” e “totalidade das receitas auferidas pela incorporadora na venda das unidades imobiliárias que compõem a incorporação” nos parece conduzir ao raciocínio de que cada projeto de incorporação imobiliária de interesse social enquadrado no RET sujeita-se a um único tratamento tributário em relação a todas as suas receitas de vendas.
Nesse sentido, inclusive, foi o entendimento externado na Solução de Consulta Cosit nº 265/2014, ao examinar a questão sob o enfoque de incorporação destinada à construção de unidades residenciais de valor de até R$ 100.000,00.
Portanto, levando-se em conta a regra de que não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não distingue, entendemos que as incorporações imobiliárias de interesse social enquadradas no novo Minha Casa, Minha Vida, que efetivamente destinem e comercializem ao menos parte das unidades autônomas a famílias cuja renda se enquadre na Faixa Urbano 1, poderão se beneficiar da aplicação do RET de 1%.
E esse tratamento, pensamos nós, deverá ser aplicado ao empreendimento como um todo, mesmo que parte das unidades sejam vendidas para famílias classificadas em outras faixas de renda do MCMV, desde que observados os demais requisitos para a fruição desse regime, resguardados os casos em que fique demonstrado o intuito de fraude.