Na mídia
Fonte: Estadão
André Pereira de Morais Garcia, Colunista convidado
A simples inclusão, na proposta de revisão do plano, de estímulos à instalação de carregadores elétricos, assim como à estruturação da micromobilidade, deve ser revista antes de sua aprovação
A revisão parcial do Plano Diretor de São Paulo é um tema que tem ocupado jornais, revistas, palestras, etc. No entanto, todas as discussões nem sequer avançam no âmbito das mudanças climáticas ou do meio ambiente, considerando o grande impacto na cidade causado pelo alto fluxo de veículos movidos a combustão.
A relevância é incontestável, eis que, conforme pesquisa do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), nas últimas duas décadas os paulistanos respiraram ar inadequado para a saúde humana, gerado especialmente pelas emissões veiculares.
Apesar do clichê exemplificativo, não custa lembrar que somente com a modificação das diretrizes de mobilidade a Noruega conseguiu reduzir 30% da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs) na capital, Oslo, com medidas de investimentos tanto em transportes mais sustentáveis como na eletrificação de sua frota. No entanto, o sucesso exigiu grande esforço do poder público, que há mais de três décadas investe na e incentiva a eletrificação de sua frota.
A proposta do substitutivo do Projeto de Lei n.º 127/2023, que trata da revisão do Plano Diretor, foi aprovada em 26 de junho de 2023 e está pendente de sanção pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. No texto aprovado, é possível destacar duas inovações importantes, sob a ótica ambiental, dentro dos objetivos do sistema de mobilidade, como: 1) a promoção de infraestrutura para instalação de postos de recargas de baterias; e 2) a estrutura de micromobilidade, que é o transporte motorizado de forma elétrica ou não com o intuito de percorrer pequenas distâncias.
Apesar da inovação, a questão deve ser vista com cautela, pois é importante lembrar que medidas similares já são previstas na versão vigente do Plano Diretor, mas o avanço no campo da mobilidade foi lento na última década. Vejamos:
1) A Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) informou que os veículos elétricos e híbridos representam 3,4% do mercado de veículos leves (destaque que os híbridos são a maioria);
2) Mesmo São Paulo sendo o Estado com maior avanço no setor dos veículos híbridos e elétricos, a frota desses veículos não ultrapassa as 42 mil unidades. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Capital existem aproximadamente 6 milhões de veículos leves e no Estado de São Paulo, 19 milhões. Isto é, o Estado de São Paulo tem menos de 1% de veículos elétricos ou híbridos;
3) Até 2024, isto é, passados dez anos da promulgação do Plano Diretor, a Prefeitura de São Paulo prometeu apenas 2 mil ônibus elétricos em circulação, sem contar que os carros são responsáveis por cerca de 70% das emissões de GEEs.
Para que haja uma mudança nos meios de mobilidade do paulistano, especialmente no que diz respeito ao carro elétrico, são necessárias medidas urbanísticas a fim de preparar a cidade para o recebimento desses veículos. Assim, antes de promover e incentivar a aquisição de veículos elétricos, é importante que a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado promovam investimentos coordenados, tal como proposto no projeto modificativo do Plano Diretor, para que se torne viável a aquisição de veículos 100% elétricos.
Ocorre que, considerando as experiências passadas, a implementação de uma malha de carregadores públicos ou semipúblicos, muito além dos aproximadamente 500 existentes na Capital, talvez fosse o caso de incentivar a realização de investimentos paralelos em outras tecnologias de baixo carbono, a fim de não travar o desenvolvimento sustentável da capital paulista.
A exemplo disso, tivemos grandes avanços no desenvolvimento do carregamento por meio do biocombustível (exemplo: o etanol), que a partir da retirada do hidrogênio do etanol (full cell) é possível gerar energia limpa para os motores elétricos sem a necessidade do carregamento via plug-in.
Este cenário atenderia ao desenvolvimento econômico do setor sucroalcooleiro, como também o dos desenvolvedores de energia renovável (exemplo: fotovoltaica e eólica), criando um formato híbrido de abastecimento, sem sobrecarregar a matriz energética brasileira. Ademais, o formato poderia propiciar maior velocidade para a alteração da frota de veículos, a fim de que São Paulo tenha uma melhora na qualidade do meio ambiente e possa atender às suas metas de redução de GEEs.
Diante disso, a simples inclusão na proposta de revisão do Plano Diretor de estímulos à instalação de carregadores elétricos, assim como à estruturação da micromobilidade, deve ser revista antes de sua aprovação, uma vez que, apesar de disposições no Plano Diretor vigente no sentido de estimular transportes mais sustentáveis, pouco se viu de avanços durante os dez anos de sua publicação.
Vale lembrar que a questão é extremamente complexa, especialmente em vista das questões socioeconômica, ambiental e demográfica da cidade de São Paulo. Por isso é importante que seja promovida maior articulação entre o poder público e o setor privado, a fim de que conjuntamente busquem soluções inovadoras que tragam agilidade para a redução de GEEs e benefícios econômicos para todos os setores envolvidos nesta transição.
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É ADVOGADO, GRADUADO EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE E PÓS-GRADUADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)