Notícias

CADASTRE-SE E
FIQUE POR DENTRO

Pesquisar

Administrativo e Infraestrutura
Ambiental / ESG
Arbitragem
Contencioso Imobiliário
Contratual
Planejamento Patrimonial, Sucessões e Direito de Família
Empresarial
Imobiliário
Mercado de Capitais
Trabalhista
Prevenção e Resolução de Litígios
Compliance e Penal Empresarial
Tributário
Urbanístico

Na mídia

O Coaf na Fazenda: acertos e desafios

publicado em 17/01/2023 16:41

Fonte: Estadão

Nos últimos anos, o COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras - ganhou projeção ao entrar no centro de diversos debates políticos que ocorreram ao longo do governo Bolsonaro. Duas situações, em especial, deram à nossa Unidade de Inteligência Financeira (UIF) um novo patamar no cenário público. A primeira foi o troca-troca de posições do Conselho, que era cobiçado, à época, pelo então Ministro da Justiça Sérgio Moro, mas acabou saindo de sua histórica relação com a Fazenda para o Banco Central. A segunda foi o julgamento do Supremo Tribunal Federal envolvendo a troca de dados entre Receita, COAF e órgãos de acusação - tema técnico que ganhou relevância porque o réu era Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas no estado do Rio de Janeiro.

Com a chegada do novo governo Lula, a notícia de que o COAF retornaria ao Ministério da Fazenda foi objeto de diversas notícias, cuja repercussão foi impulsionada por opiniões favoráveis e contrárias à medida, que ainda depende da edição de uma Medida Provisória.

Para entendermos, porém, a relevância da mudança e seus efeitos, precisamos revisitar brevemente a história do COAF e entender o que é uma UIF e qual regime jurídico é aplicável a ela.

Ao redor do mundo, há diversos modelos de UIFs, algumas ligadas a órgãos de investigação, outros à polícia judiciária ou o próprio Poder Judiciário, mas o COAF foi estruturado, no final dos anos 90, para compor um quadro verdadeiramente administrativo - vinculado, portanto, ao Poder Executivo - e como unidade puramente de inteligência, não de investigação.

Em palestra em 2021, o ex-ministro da Justiça Nelson Jobim contou alguns dos bastidores da criação do órgão e de sua vinculação à Receita Federal, que já tinha, por assim dizer, um departamento e alguma expertise em tratamento de dados em grande volume. Até hoje, vale lembrar, o Procurador Geral da Fazenda Nacional possui assento no Conselho do COAF. A vinculação, ainda, daria ao COAF um status de "neutralidade", já que as mudanças de governo não costumam implicar grandes alterações nos quadros da Receita.

A mudança do COAF para o Banco Central, nesse sentido, foi uma solução "semelhante", uma medida de "neutralidade" para apaziguar os ânimos entre Ministério da Justiça e Ministério da Economia nos tempos de governo Bolsonaro - afinal, o BACEN havia se tornado "independente". É importante lembrar que o próprio ex-juiz Sérgio Moro acusou o ex-presidente Bolsonaro de ter feito tal alteração no COAF para proteger seus filhos.

Não fazia sentido, porém, o COAF ser "administrativamente vinculado" ao Banco Central, autarquia que, inclusive, também possui assento no Conselho e atua como parceira na regulação e na supervisão da prevenção à lavagem de dinheiro no segmento financeiro.

A alocação do COAF no BACEN trouxe dúvidas, como, por exemplo, se o Banco Central passaria a ter acesso aos bancos de dados do COAF, o que poderia gerar uma série de abusos como a realização de "fishing expeditions", que ocorrem quando uma autoridade vasculha - sem justa causa - os dados coletados por uma outra autoridade com o intuito de pautar uma medida investigativa ou sancionatória. Também se questionou o regime de sigilo aplicável ao COAF - passou o órgão a estar sujeito ao sigilo bancário, regido pela Lei Complementar 105?

O retorno do COAF ao Ministério da Fazenda encerra uma valsa política que não agregou ao sistema público de prevenção à lavagem de dinheiro, mas algumas questões continuam em aberto.

A decisão do Supremo que anulou os relatórios produzidos pelo COAF a respeito de Flávio Bolsonaro, entendeu, justamente, que o Ministério Público havia praticado uma fishing expedition contra o filho do ex-presidente ao solicitar uma averiguação de seu histórico de atividades financeiras antes de ele integrar o rol de investigados em um procedimento formal.

A decisão, controvertida, balizou a proibição da realização de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) pelo COAF a pedido de outras autoridades - o órgão pode emitir RIFs de forma espontânea ou a pedido de outras autoridades que já estejam investigando ou processando alguém ou alguma empresa -, mas não deixa claro qual é o regime de proteção de dados aplicável como regra geral ao COAF, sobretudo em virtude de outra decisão do Supremo que havia entendido lícito o compartilhamento de informações entre Receita e Ministério Público sem a necessidade de autorização judicial.

Membros do COAF já defenderam, publicamente, que o órgão não está sujeito à Lei Geral de Proteção de Dados, porque se enquadraria em uma exceção da própria lei, a qual menciona não ser aplicável para " fins exclusivos de: a) segurança pública; b) defesa nacional; c) segurança do Estado; ou d) atividades de investigação e repressão de infrações penais". Ocorre que, a despeito da boa intenção de membros do Conselho, o COAF não é um órgão de segurança pública - cujo escopo é bem delimitado pela nossa Constituição Federal e não inclui os serviços de inteligência - nem de defesa ou de segurança do Estado; tampouco é órgão de investigação ou repressão de infrações penais.

Ainda mais arriscada é a compreensão de que os entes privados que integram o rol de pessoas obrigadas a possuir controles de prevenção à lavagem de dinheiro (bancos, corretoras, incorporadoras, gestoras, seguradoras, entre outros) integrariam a mesma exceção e estariam, portanto, isentos da aplicação da LGPD para os tratamentos de dados de seus clientes com finalidades de prevenção à lavagem.

A confusão ocorre porque ainda não temos, no país, um marco legal dos serviços de inteligência, em especial, um referencial normativo que organize e relacione os serviços de inteligência financeira com os demais, em especial, os que são tocados pela Agência Brasileira de Inteligência, a ABIN, que, em seu site, explica o conceito de inteligência afirmando que "no processo de análise, os dados têm sua credibilidade avaliada e são interpretados a partir de metodologia específica de produção de conhecimentos de Inteligência". Esse serviço massivo de tratamento de dados não está isento da proteção prevista na LGPD, mas também não possui o mesmo caráter dos tratamentos de dados realizados por entes públicos e privados objeto da Lei.

A necessidade de uma possível regulação ampla da inteligência e do sistema de sigilo e proteção de dados que lhe deve ser aplicável pode ser uma oportunidade única para que o novo Governo apresente um desenho institucional forte para os serviços de inteligência, delimitando seu relacionamento com os sistemas de segurança pública e defesa nacional, sem que os cidadãos tenham seus dados pessoais desprotegidos e sua privacidade devassada de forma leviana.

Em resumo, foi um acerto o retorno do COAF ao Ministério da Fazenda, mas isso ainda não é o suficiente para resolver os impasses que os serviços de inteligência devem enfrentar com o universo de proteção de dados e de garantias individuais.

*Pedro Simões, coordenador da Equipe de Penal Empresarial e Compliance do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra

compartilhe:

CADASTRE-SE E FIQUE POR DENTRO