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O STF e as alterações da Lei de Improbidade

publicado em 14/03/2022 10:04

Fonte: Estadão

Há aproximadamente um mês, comentei sobre a afetação, pelo Rel., Min. Alexandre de Moraes, do ARE 843.989 ao regime da repercussão geral, propondo-se a seguinte tese: “definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente” (Tema 1199).

À unanimidade, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de questão constitucional com repercussão geral no último dia 25/2/2022. Na sequência, ontem, foi determinada a suspensão do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/21.

Ainda sobre as alterações promovidas na Lei de Improbidade pela Lei 14.230/21, no dia 17/2, o Min. Alexandre de Moraes concedeu liminar nas ADIs 7.042 e 7.043 para determinar a suspensão dos dispositivos da LIA que prevejam legitimidade exclusiva do Ministério Público (caput e §§ 6º-A, 10-C e 14, do artigo 17 da Lei nº 8.429/92), devendo ser interpretados de modo a permitir a legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas. Por consequência, suspendeu os efeitos do artigo 3º da Lei 14.230/21, que estabelecia o prazo de 1 ano para que o Ministério Público manifestasse interesse no prosseguimento das ações que não ajuizou. A liminar ainda suspendeu o §20 do artigo 17 da LIA, que previa a obrigatória defesa, por parte da assessoria jurídica que o emitiu, do parecer que atestou previamente a legalidade dos atos administrativos que depois se tornaram objeto da ação de improbidade.

Como se vê, as recentes decisões monocráticas suspenderam a aplicação de parte relevante das alterações sofridas pela LIA.

Abstraída a discussão não menos importante a respeito da razoabilidade (constitucional) de decisões liminares monocráticas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade, é imprescindível avaliar a correção e os efeitos dessas decisões.

Com relação à suspensão dos processos em trâmite no STJ em que tenha sido suscitada a aplicação retroativa das alterações da LIA, não se pode fugir da discussão sobre a existência mesma de questão constitucional, pois a retroação dos dispositivos da lei ou, em outros termos, saber o conceito da expressão “princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”, prevista no artigo 1º, §4º, da LIA, é matéria de interpretação estritamente legal. Decidir se tais princípios abarcam os princípios e garantias do direito penal, dentre os quais a retroação da lei mais benéfica e a abolitio criminis, não é matéria constitucional.

Ultrapassada, porém, essa premissa, importante debater o limite da suspensão fixada pelo relator.

A justificativa se deu pelo risco ao andamento dos processos e da análise das medidas constritivas. Criou-se, portanto, um discriminador que, sem se basear em qualquer decisão do Supremos a respeito da própria retroatividade da lei, pode impedir que vários réus sejam beneficiados pelas alterações promovidas pelo Congresso. Quantos interessados terão de aguardar a definição do Supremo, por exemplo, para verem uma indisponibilidade de bens revertida por não cumprir as condições hoje impostas pela LIA? Quantos réus condenados por improbidade terão de esperar, pacientemente, que o Supremo resolva se a atipificação das condutas culposas abarcara retroagirá? Enquanto isso, outros tantos ficarão ao sabor das divergências que já se verificam no entendimento dos órgãos jurisdicionais, digamos assim, ordinários. Tudo porque o Superior Tribunal de Justiça, competente para uniformizar a interpretação da lei federal, está impedido de fazê-lo por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Mas há outras questões interessantes envolvidas. Por exemplo, como o Superior Tribunal de Justiça decidirá depois que o Supremo resolver se e quais as alterações da LIA retroagem? Poderá decidir em todo e qualquer processo? Haverá necessidade de um recurso especial devidamente conhecido ou bastará existir um agravo pendente de julgamento? Os processos suspensos retornarão aos tribunais inferiores, estejam em que fase estiverem? Quais os critérios?

De outro lado, é preciso discutir a decisão que suspendeu os efeitos das alterações da LIA que tratam da legitimidade exclusiva do Ministério Público e da necessária defesa, pelo órgão jurídico, do parecer emitido a respeito da conduta do agente questionada na ação de improbidade.

Com relação à legitimidade do MP, a doutrina já se manifesta pelo equívoco do entendimento do Min. Alexandre de Moraes. Primeiro, porque o argumento utilizado por Sua Excelência não condiz com a realidade: a legitimidade exclusiva para as ações de improbidade não impede nem dificulta em nada a atuação das procuradorias e dos entes interessados na busca pelo ressarcimento ao erário, tampouco pela responsabilização administrativa dos agentes públicos. A Constituição Federal não contém dispositivo algum que trate da legitimidade para as ações de improbidade (vide art. 37, §4º, da CF). No mesmo sentido, o precedente de relatoria do Min. Luiz Fux não se presta a justificar a impossibilidade da legitimação exclusiva (Recurso Extraordinário 409.356), pois ali o Tribunal pretendeu justamente reafirmar que o MP é competente para defender o erário, ainda que isso possa significar a “representação judicial de entidades públicas” (art. 129, IX, da CF), pois não se trata de legitimação ordinária.

A ação de improbidade tem por escopo principal sancionar o agente público e os particulares que tiveram a intenção de participar e participaram de atos ímprobos, tendo-se beneficiado ou causado prejuízo ao erário em decorrência dessa participação. E nisso a Constituição Federal é expressa: suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. Ocorre que, tanto o ressarcimento não é essencial, que a lei prevê atos de improbidade que não causam prejuízo ao erário. Portanto, o que a ação de improbidade pretende é tirar do ambiente estatal o corrupto e o corruptor; aquele, fazendo-o perder o cargo e suspendendo seus direitos políticos, e este, impedindo-o de contratar com o poder público ou dele receber qualquer tipo de benefício creditício. Esse é o principal objetivo da lei. Basta lembrar que atos não ímprobos também podem prejudicar o erário ou causar enriquecimento ilícito. Mas, nem por isso, sujeitarão os agentes ou beneficiários às severas sanções da LIA.

Não é demais lembrar que as severas sanções previstas na lei importam, em muitos casos, a eliminação (às vezes, temporária) de figuras do mundo político. Só quem conhece de perto, sabe como o manuseio da ação de improbidade por quem tem natural interesse na luta política distorce o instituto e gera inúmeras injustiças, jamais reparadas. Também por esse motivo, a exclusividade da atuação do MP – embora não imune a desvios decorrentes de posições políticas – tende a reduzir em muito o uso político das ações de improbidade administrativa.

Por fim, a obrigatoriedade de defesa da opinião jurídica não significa, de modo algum, a defesa do agente público eventualmente acusado. O que a alteração pretendeu fazer é trazer para o campo da improbidade a regra segundo a qual o ente público tem o dever de defender o ato, assim como, aliás, ocorre no controle de constitucionalidade. A defesa da posição oficial do órgão, salvo eventual comprovação de participação dos subscritores da opinião jurídica no ato ímprobo doloso, não interfere em nada na liberdade técnica dos advogados públicos. Aliás, a defesa não será feita em nome das procuradorias, mas em nome do próprio órgão.

Essas são algumas questões que precisam ser debatidas a bem da preservação da essência das alterações legislativas impostas à LIA. As mudanças ocorridas representaram uma correção de rota há muito esperada por todos que estudam o tema é trabalham com essas ações. Somos testemunhas dos danos que o uso indevido das ações de improbidade causa na vida de muitas pessoas, cuja inocência só se reconhece anos depois do ajuizamento. Danos, estes sim, que jamais serão reparados.

*Cesar Augusto Alckmin Jacob, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra, Netto e Terra, com atuação nas áreas de Administrativo, Infraestrutura e Urbanístico

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