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Fonte: Lexlatin
Em algum momento a pandemia de Covid-19, que no próximo mês completa dois anos, deve chegar ao fim. Uma das mudanças de paradigmas mais concretas deste período, a virtualização de processos e ações já causa efeitos visíveis no mercado de trabalho, na logística de compras e nos sistemas políticos em todo o mundo. Um destes sistemas políticos, a assembleia de condomínio, vai para o mesmo caminho.
Uma das experiências políticas mais próximas e imediatas para grande parte da população, as reuniões condominiais sofreram um baque irremediável com o início da pandemia, precisando se ajustar ao modelo virtual tão imediatamente quanto os primeiros casos e mortes da doença apareciam entre seus moradores. Apenas depois de três meses de pandemia que uma lei tornou legal tais reuniões virtuais. Agora, o Congresso aprovou a inclusão destas assembleias no Código Civil.
O texto que aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro não é, na verdade, uma inovação trazida pela pandemia - o texto, da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) foi apresentado ainda em 2019, e foi aprovado pela casa em novembro daquele ano. Em julho de 2021 o PL (projeto de Lei) 548/2019 foi aprovado pela Câmara e, em 15 de fevereiro, foi finalmente aprovado em terceira votação no Senado.
O texto prevê uma nova menção ao tema no artigo 48 do Código Civil de 2022, onde se trata das decisões a serem tomadas pelas pessoas jurídicas. “Salvo proibição estatutária ou legal específica, as assembleias e as reuniões de órgãos deliberativos de pessoas jurídicas poderão ser realizadas por meio eletrônico”, assevera o texto do Congresso.
São incluídas também novas especificações no artigo 1353 e um novo artigo, o 1354-A, que estabelece regras mais claras para as condições que uma reunião de condomínio pode ou não acontecer, em caso de abstenção de parte dos seus condôminos.
Essa é a segunda vez em dois anos que o Legislativo busca atuar sobre as reuniões de condomínio. Na primeira, durante a aprovação do RJET (Regime Jurídico Emergencial e Transitório), a solução foi provisória. “Ocorre que a Lei autorizou a realização de assembleias neste formato apenas até outubro de 2020, sendo certo que, passado mais de um ano e cinco meses, a pandemia ainda persiste”, alerta Ana Carolina Osório, advogada especialista em Direito Imobiliário, sócia do Osório Batista Advogados. “A situação é única e inesperada. O Judiciário tem julgado inúmeras ações em que se busca invalidar assembleias realizadas de forma virtual durante prazo não abrangido pela Lei.”
A advogada indica que, apesar desse lapso, vale o que já definiram os estatutos. “As reuniões podem ser feitas de forma virtual desde que a Convenção de Condomínio, lei que rege as questões condominiais, assim autorize”, lembra. O texto aprovado pelo Congresso prevê a possibilidade de reuniões virtuais - exceto em caso de proibição estatutária.
Já José Guilherme Gregori Siqueira Dias, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, também aponta para possível flexibilização do que foi definido na RJET. O advogado lembra de uma decisão do TJSP (Tribunal de Justiça do estado de São Paulo). Nela, se dispõe que “não há prejuízo na realização da audiência por meio virtual, desde que garantida a devida comunicação e intimação de todos os condôminos com a antecedência necessária.”
O texto aprovado pelo Congresso não prevê a retroatividade às reuniões ocorridas entre o fim da RJET e a sanção do novo texto. Mas isso não parece ser um foco de preocupação. “De todo modo parece-nos razoável ser mantida a possibilidade prevista na RJET, que será ratificada com a eventual sanção do PL 548/2019, e até mesmo para situações verificadas antes da RJET que somente foi promulgada meses após o início da pandemia”, disse o advogado. “O importante é nenhum condômino ter sido preterido de seu direito de participação e de deliberação. Logo, sem ter havido prejuízo e diante do contexto da pandemia, não faria sentido dizer que as assembleias virtuais, ocorridas a partir das restrições da pandemia, não teriam validade por ausência de previsão em lei ou na Convenção.”
Daniel Feitosa Naruto, sócio do escritório Ernesto Borges Advogados, também vê a medida como positiva e próxima da jurisprudência que se forma sobre o tema. “O que percebemos é que ainda não há consenso no Poder Judiciário quanto à regularidade e validade das assembleias realizadas de forma virtual após o termo do período previsto na Lei 14.010/2020”, aponta. “No entanto, é possível verificar por julgamentos anteriores que, mais do que a preocupação quanto a forma (presencial ou virtual) em que se deu a assembleia, o Judiciário prioriza o efetivo atendimento aos requisitos de validade do ato, tais como a forma de convocação, os assuntos votados ou o quórum”
Se a reunião teve os pressupostos de validade cumpridos, argumenta Daniel, ela deve ser validada, mesmo que realizada de forma virtual. ”Aliás, não há nulidade se não houver prejuízo”, concluiu.