Na mídia
Fonte: Estadão
A onda ESG veio forte, ninguém nega, e deve gerar frutos. A sigla, que também circulou traduzida como ASG, congrega os valores do (Meio) Ambiente, do Social e da Governança.
As principais questões que ganharam relevo com a junção dessas três frentes estão no lado Ambiental e Social, já que os debates sobre Governança sempre fizeram parte do mundo empresarial, ainda que tenham se popularizado mais nos últimos tempos. Mesmo no lado da governança, porém, o impacto do A e do S estão sendo sentidos: fala-se mais em diversidade na administração e em boards ambientalmente responsáveis, que cobram os gestores por uma divulgação realista de dados sobre o impacto ambiental da empresa, por exemplo.
Também não é novidade que esse movimento de trazer pautas políticas para dentro da vida da empresa acontece em um momento de transição democrática. E não se confundam – transição para pior.
Livros como “How Democracies Die” (Como as Democracias Morrem), “Why Nations Fail?” (Por que as Nações Falham?), “Twilight of Democracy” (Crepúsculo da Democracia) e tantos outros que fizeram muito e justo sucesso relatam a ascensão de movimentos antidemocráticos ou que flertam em maior ou menor grau com a tirania, com a ditadura, com o autoritarismo.
E o que isso tem a ver com ESG?
A resposta é: tudo ou nada. E isso vai fazer toda a diferença.
Ou vamos seguir o movimento de moralização das empresas com um grande compromisso político com a democracia ou, então, vamos transformar o ESG em apenas uma tendência de comunicação cool para os investidores.
E aqui precisamos ter uma conversa sincera: as empresas sempre estiveram envolvidas com a política. No nosso país, por exemplo, é muito recente a proibição de contribuição empresarial a campanhas políticas. E era tipicamente tupiniquim as empresas se relacionarem com diversos partidos do espectro democrático. Sabemos, hoje, que essa participação política, muitas vezes, tinha o caráter de um “investimento” e vinha com uma fatura depois.
O financiamento empresarial, porém, pode existir, se bem regulado. Um ambiente democrático tende a ser mais liberal e menos dirigido que um ambiente autoritário, no qual apenas as empresas que se submetem aos caprichos ditatoriais se beneficiam, Então, o investimento no jogo político democrático pode ser visto, pelas empresas, como um investimento na estabilidade, ou, para usar uma expressão corrente, um investimento para diminuir o Risco Brasil. As empresas poderiam, por exemplo, apoiar um fundo partidário remodelado, pensado para que a atividade política também se democratizasse (todos sabem que fazer política custa caro e que a política ainda é um terreno de maiorias).
Outra forma de intenso relacionamento entre empresas e atores políticos é o lobby. Ainda não regulada, a atividade de influência política ainda conta com uma grande dose de desconfiança em nosso país assolado pela corrupção.
Particularmente, penso que um ESG democrático deve pautar um lobby transparente, com especial ganho para a Governança. Não se trata de não fazer lobby – muito pelo contrário. Trata-se de fazer e muito, mas sempre buscando um relacionamento público e aberto com os agentes políticos e reportando essas ações para investidores e demais stakeholders.
Mas isso não é tudo. Plataformas como The Sleeping Giant atuam importunando empresas de acordo com as plataformas que elas escolhem para fazer publicidade. Ao monetizar páginas que veiculam fake news ou discurso de ódio, pelo fato de que elas possuem inegável audiência, as empresas atuam de forma incoerente com os valores e princípios ESG que juram defender.
O assunto se torna ainda mais sério quando uma empresa acaba por financiar, de forma mais ou menos consciente, discursos que se aproveitam de uma interpretação sacana da liberdade de expressão para minar a democracia. Falo, aqui, de causas tão nobres quanto: um novo AI-5, o fechamento do STF, a intervenção militar no Congresso, o retorno do voto impresso.
Os acionistas e membros do board, assim como os gestores podem ter seus posicionamentos políticos divergentes. Mesmo em conjunto, como empresa, não precisam se manifestar optando por um lado, um partido, um candidato. O que importa, porém, é que estejam sempre do lado da estabilidade democrática.
ESG sem democracia será apenas um monte de confete jogado em cima da tragédia.
*Pedro Simões, doutorando em teoria do direito pela Universidade de São Paulo e advogado coordenador da área de Penal Empresarial e Compliance do Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Advogados. Intercâmbio em Direito Penal Econômico pela Freie Universität Berlin. Membro do I tit t B il i d Ciê i C i i i Instituto Brasileiro de Ciências Criminais