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Fonte: Valor Econômico
A nova previsão legal evita, portanto, que determinados empreendedores sejam onerados desproporcionalmente
O novo marco legal do saneamento básico, recentemente aprovado pela Lei Federal no 14.026/20, trouxe grande inovação ao prever que as redes de água e esgoto executadas pelo empreendedor imobiliário poderão ser objeto de ressarcimento futuro por parte da concessionária responsável pela prestação do serviço de saneamento, quando caracterizado que as obras realizadas configuram antecipação de infraestrutura de execução obrigatória pelo operador local.
A nova regra tem como premissa que o concessionário do serviço público deve disponibilizar a infraestrutura da rede de saneamento até os respectivos pontos de conexão existentes nas edificações. Portanto, caso o empreendedor tenha executado parte dessa infraestrutura com recursos próprios, em razão da implantação do empreendimento, poderá solicitar o reembolso dos valores despendidos ao concessionário, ressalvados os investimentos caracterizados como de interesse restrito do empreendedor imobiliário.
A nova previsão legal ainda depende de regulamentação, a ser emitida pela agência reguladora competente, observadas eventuais normas de referência que venham a ser criadas sobre o tema pela Agência Nacional de Águas (ANA). A entidade terá, dentre outros desafios, a tarefa de definir o que caracteriza obra de “interesse restrito do empreendedor imobiliário” e de que modo a previsão legal de ressarcimento terá aplicação em empreendimentos já executados e/ou em fase de implantação.
A regra em comento traz importante avanço, na medida em que não apenas enfatiza os limites das exigências que poderão ser feitas pelo ente público na ocasião da aprovação de loteamentos urbanos, condomínios edilícios ou lotes de terreno, como também reconhece que, nas situações em que as obras demandadas pela empresa prestadora dos serviços públicos de saneamento básico caracterizem a antecipação das obras de execução da rede pública de abastecimento de água e esgoto, será possível ao empreendedor solicitar o futuro ressarcimento.
Lembre-se que a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano já impõe outras contrapartidas ao loteador, como a destinação de áreas mínimas para implantação de sistemas de circulação, equipamentos urbanos e comunitários, bem como espaços livres de uso público.
Além disso, apenas lhe imputa a obrigação de executar a infraestrutura básica do loteamento, incluída a rede interna de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, que deverá ser ligada à rede pública e ficará sujeita ao pagamento das tarifas correspondentes.
Na prática, contudo, quando a rede pública de saneamento existente na área circunvizinha do loteamento é precária, ineficiente ou, até mesmo, inexistente - o que ocorre, especialmente, em áreas mais afastadas -, há casos em que, para a aprovação do projeto e emissão das licenças cabíveis, o empreendedor é forçado a executar obras que ultrapassam a simples execução da rede interna e caracterizam, na prática, a antecipação parcial do sistema público de abastecimento de água e esgoto, muitas vezes servíveis e úteis a vários outros locais externos à gleba loteanda.
Acreditamos que a nova regra é bastante razoável, na medida em que é obrigação do Poder Público - e, consequentemente, de suas concessionárias, nos limites dos contratos celebrados - o ônus de prover o serviço público de saneamento básico a toda a população, obtendo o ressarcimento correspondente mediante o recebimento de tarifas, que são fixadas de forma isonômica a todos os usuários (ressalvadas as hipóteses em que há alguma espécie de subsídio) e permitem a pulverização dos custos de implementação da infraestrutura pública correlata.
Note-se que o art. 18-A da LSB está alinhado com a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que assegura a todos o direito de não ser exigida prestação compensatória ou mitigatória abusiva pelo Poder Público, que “requeira medida que já era planejada para execução antes da solicitação pelo particular”, ou, ainda, para “situação além daquelas diretamente impactadas pela atividade econômica” (art. 3o, XI).
A nova previsão legal evita, portanto, que determinados empreendedores sejam onerados desproporcionalmente com os custos de execução parcial da infraestrutura pública de saneamento, quando deficiente ou inexistente, substituindo o poder público que recebe, na forma de tarifas, taxas ou outros preços públicos, as verbas que devem ser revertidas em favor da prestação adequada do serviço em todo o território - o que inclui a implementação da rede pública correspondente.