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Fonte: Valor Econômico
Julgadores têm levado em consideração orientações dadas pelo TST.
Testemunhas de processos trabalhistas têm conseguido reverter em segunda instância e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenações ao pagamento de multa por supostamente mentirem nos julgamentos. Prevista na reforma trabalhista (Lei nº 13.467), em vigor desde novembro de 2017, a penalidade por litigância de má-fé pode variar entre 1% e 10% do valor da causa – o que tem levado a multas entre R$ 1 mil e 12,5 mil.
Nas decisões, os julgadores têm levado em consideração orientações dadas pelo TST, por meio da Instrução Normativa nº 41, de junho 2018. Pelo parágrafo único do artigo 10, a aplicação de multa deve ser precedida de instauração de incidente, pelo qual o juiz indicará o ponto ou os pontos controvertidos no depoimento, “assegurados o contraditório, a defesa, com os meios a ela inerentes, além de possibilitar a retratação”. A norma também estabelece que só podem ser aplicadas penalidades em ações ajuizadas após 11 de novembro de 2017, data em que entrou em vigor a reforma trabalhista.
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo anulou multa de R$ 320 aplicada em primeira instância a uma testemunha e, consequentemente, a expedição de ofício à Polícia Federal para apurar o crime de falso testemunho. A testemunha alegou ao recorrer que, com o decorrer do tempo, a própria reconstrução dos fatos pode gerar contradições “o que, por si só não evidencia a intenção de fazer afirmação falsa, negar ou ocultar a verdade”.
Em seu voto, o relator do caso, desembargador Carlos Roberto Husek, afirma que o juiz não observou o artigo 10 da instrução normativa do TST. “Não houve instauração de incidente processual em que fosse assegurado o contraditório e a ampla defesa, bem como a possibilidade de retratação da testemunha”, diz no acórdão (processo nº 1000395-13.2019.5.02.0071).
No TRT do Rio de Janeiro, os desembargadores cancelaram multa no valor de R$ 2,7 mil por falso testemunho (9% do valor da causa). A penalidade foi aplicada pela juíza Rachel Ferreira Cazotti, da 1ª Vara de Barra Mansa, pelo fato de a testemunha ter dado uma versão diferente do autor de que fazia horas extras. De acordo com a sentença (processo nº 0001141-13.2014.5. 01.0551), a testemunha “é contumaz ao mentir, nessa Justiça, conduta, além de repreensível moralmente, é criminosa”.
Contudo, ao analisar o recurso da testemunha, o relator, desembargador Mário Sérgio M. Pinheiro, entendeu que a contradição nos depoimentos “não caracteriza má-fé da testemunha, quando não fica cabalmente caracterizado que tenha tido a finalidade de influenciar na solução do processo, especialmente num contexto em que é razoável que a testemunha possa ter confundido a jornada de trabalho do autor, sobretudo em razão da informalidade que vigora nesta Justiça Especializada”.
No TST, a 8ª Turma também decidiu afastar multa por falso testemunho com base na instrução normativa. No caso, porém, os ministros levaram em consideração que o processo (nº 1000749-34.2016.5.02.0074) foi ajuizado em 2016, antes da entrada em vigor da reforma trabalhista.
Para a advogada Cláudia Abud, do Abud Marques Sociedade de Advogadas, os juízes precisam ter cautela ao aplicar as multas. A lei da reforma, acrescenta, é clara: deve haver a intenção da testemunha para alterar a verdade dos fatos. “Apenas alterar a verdade dos fatos não é suficiente. O juiz precisa deixar claro que foi intencional, que a testemunha não se confundiu. Ele precisa perguntar mais de uma vez”, diz ela, que defende a aplicação das orientações do TST para dar mais segurança jurídica e garantir ampla defesa às testemunhas.
Luciana Guerra Fogarolli, do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Advogados, entende, porém, que os juízes têm aplicado a multa de maneira tímida, principalmente após a Instrução Normativa nº 41 do TST. “É muito recorrente o falso testemunho na Justiça do Trabalho e os juízes só têm aplicado a multa em casos esdrúxulos”, afirma.
De acordo com ela, há casos em que a testemunha vem com a versão combinada com autor da ação ou da empresa “o que pode prejudicar e muito a parte contrária”. “Os juízes deveriam ser um pouco mais enérgicos nas condenações. Isso gera um mau exemplo.”
Há, porém, decisões de segunda instância pela manutenção das multas aplicadas em primeira instância. Recentemente, a 12ª Turma do TRT de São Paulo foi unânime ao manter condenação por falso testemunho. Mas reduziu o valor de R$ 12,5 mil (5% do valor da causa) para R$ 10 mil.
O processo discute a demissão de uma funcionária com estabilidade por ter sido eleita como integrante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). A testemunha da empresa afirmou em seu depoimento que não teve conhecimento da eleição. Depois, porém, reconheceu sua assinatura na ata de votação da assembleia.
Segundo o relator, desembargador Jorge Eduardo Assad, o depoimento da testemunha da empresa foi desconsiderado “com razão, por ser manifestadamente tendencioso e apartado da realidade” (processo nº 1001399-24.2017.5.02.0211).
No TRT do Rio, a 2ª Turma manteve a condenação de uma testemunha que deu uma versão divergente sobre sua jornada de trabalho da que apresentou no seu próprio processo contra a mesma empresa. A condenação foi de 9,9% sobre o valor da causa. Para a juíza responsável pelo caso, Natália dos Santos Medeiros, da 62ª Vara do Trabalho do Rio, “não se pode admitir que alguém apresente duas versões de um mesmo fato”.
O relator do processo, desembargador Marcos Pinto Cruz, entendeu, ao considerar a gravidade dos fatos, que “andou bem o juízo ao fixar a pena por litigância de má-fé, inclusive quanto ao valor arbitrado, e ainda ao determinar a expedição dos ofícios para os órgãos competentes de forma a se reprimir e impedir que fatos como estes voltem a acontecer”.