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Fonte: O Estado de S. Paulo
Representantes da indústria hoteleira enviarão documento ao Ministério da Economia com reivindicações para limitar serviços de hospedagem
A indústria hoteleira está preparando uma ofensiva para tentar convencer o governo a restringir o aluguel de residências de curta estadia pela internet, como o Airbnb. A reclamação é que há desigualdade nas condições de concorrência entre os setores, fato que é contestado pelas empresas de tecnologia.
Representantes da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) estiveram no Ministério da Economia em junho e ficou acertado ali que os pleitos do setor serão consolidados em um documento formal e enviados nos próximos dias para a pasta. O rol de reivindicações ainda está sendo moldado, mas o cerne das discussões é a Lei Federal 8.245/1991 (conhecida por Lei do Inquilinato), que rege o aluguel de imóveis no País, incluindo a locação por temporada. A ABIH quer incluir um artigo nessa lei para limitar a locação por temporada via plataformas digitais a 30 dias por ano.
Restrições desse tipo já acontecem em outras partes do mundo. Em Nova York, o limite é de 30 dias, e o locador precisa estar na casa, ou seja, não pode alugar a casa inteira para uso exclusivo dos hóspedes. Em Amsterdã são 60 dias; Londres, 90; Paris e Los Angeles, 120 dias.
"A hotelaria sofre muito com esses aplicativos. Do ano passado para cá, 159 hotéis já fecharam. São empregos e arrecadação de impostos perdidos", diz o presidente da ABIH, Manoel Linhares. "Não somos contra a tecnologia, mas reivindicamos condições igualitárias de competição no mercado."
A ABIH também estuda uma maneira de alterar a lei federal de modo a permitir que as prefeituras criem regras municipais para o aluguel via plataformas digitais, o que abriria a brecha, por exemplo, para a aplicação de Imposto Sobre Serviço (ISS) nessa atividade, tributo que também incide na hotelaria.
"As plataformas estão usando uma brecha para descaracterizarem a transação de quartos como hospedagem e se enquadrarem na lei de aluguel, que dispensa ISS", aponta o presidente do Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Orlando de Souza. A entidade também reclama de concorrência desleal e aponta uma carga tributária pesada sobre o setor, na ordem de 37%. Já quem aluga seu imóvel nos aplicativos paga o Imposto de Renda de 27%.
Fora as questões legais e tributárias, a preocupação da indústria hoteleira reflete o crescimento da concorrência das hospedagens mais informais pela internet. O Airbnb, maior plataforma desse tipo no Brasil, têm aproximadamente 220 mil anúncios de quartos e casas no País. No ano passado, as hospedagens ligadas à companhia atenderam 3,8 milhões de pessoas, 71% mais que em 2017. O Airbnb ainda estima que as transações movimentaram R$ 7,7 bilhões na economia brasileira, 92% mais do que no ano anterior, considerando a renda obtida pelos proprietários de imóveis e os gastos locais dos hóspedes.
Questão de direito
O Ministério da Economia afirma que as conversas com a indústria hoteleira estão em estágio inicial e que, caso as reivindicações afetem a lei do aluguel, deverão envolver o Congresso e ser alvo de "amplo debate, de longo prazo", sem prazo previsto para uma definição.
O presidente do comitê de agências online de viagem (travel techs) da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, Gustavo Dias, pondera que a restrição de dias de locação em outros países é possível porque por lá não existe legislação federal regulando o tema, ao contrário do que acontece no Brasil. "Não podemos comparar nosso mercado com os demais nesse aspecto", rebate.
Além disso, um teto na quantidade de dias representaria uma perda de direito já consolidado para os proprietários de imóveis. "Seria uma alteração inconstitucional. Estamos tranquilos neste aspecto", emenda, minimizando a chance de que o teor da proposta da indústria hoteleira venha a ser aprovada.
O advogado Marcelo Terra, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, que atende o Airbnb, também descarta a hipótese de aplicação de ISS por entender que se trata de atividade de natureza imobiliária, enquadrada na Lei do Inquilinato. "Qual a diferença entre a locação de temporada feita por uma plataforma digital e aquela com uma plaquinha pendurada no muro da residência? Não há diferença jurídica", sintetiza.
A tentativa de criação de uma legislação mais restritiva às atividades do Airbnb engrossou no primeiro semestre com o Projeto de Lei 2.474, apresentado pelo senador Angelo Coronel (PSD/BA). O projeto também prevê alterar a Lei do Inquilinato e inserir um artigo que proíbe o aluguel de curta estadia via sites a menos que o condomínio realize uma assembleia, com participação de dois terços dos condôminos, aprovando esse tipo de prática.
Segundo Coronel, a regulação ajudará a diminuir a circulação de desconhecidos nos prédios, aumentar a segurança e baixar os gastos com limpeza e manutenção predial. "A proposição que trazemos considera a vontade dos condôminos como o principal fator a ser considerado nesses casos", explica, no documento que justifica o projeto.
Já na avaliação do presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Basílio Jafet, o projeto está invertido. "Deveria ser ao contrário. O aluguel dessa categoria deveria ser permitido a menos que o condomínio decida o contrário. Cabe ao condomínio criar suas próprias regras, não precisamos de uma lei para isso", avalia. Jafet acrescenta que o projeto de lei cria insegurança para investidores que compraram apartamentos dedicados para esse tipo de atividade.
Outros projetos de lei para controlar o segmento também vêm surgindo nas câmaras municipais de Rio de Janeiro, Florianópolis, Fortaleza, Salvador, entre outras cidades, mas sem sucesso até agora. Pelo menos dez projetos de lei foram arquivados ou estão pendentes de aprovação em municípios por questionamentos a respeito da constitucionalidade, segundo levantamento do Airbnb.