Na mídia
06 de fevereiro de 2019
Fonte: O Estado de S. Paulo
A recente Lei Federal n° 13.786/2018 alterou as leis das incorporações imobiliárias (n° 4.591/1964) e a do parcelamento do solo urbano (n° 6.766/1979) para disciplinar, entre outras várias matérias, a tormentosa questão da dimensão da cláusula penal na hipótese de extinção do contrato de compromisso de compra e venda de uma unidade imobiliária.
Todos sabemos que, por ser gregário, o homem vive em sociedade. E o viver em sociedade impõe a existência de regramentos que permitam uma paz social. A ausência de normas teria como resultado necessário o caos.
Nesse contexto entra a necessidade da força vinculativa do contrato, sua irretratabilidade e sua irrevogabilidade. O destino natural de um contrato é sua extinção por força de seu cumprimento por ambas as partes, somente se permitindo sua extinção não natural por causas supervenientes, como resolução (inexecução por um dos contratantes), resilição (dissolução por simples declaração unilateral de vontade – denúncia vazia, ou declaração bilateral - distrato) e rescisão (ruptura do contrato por lesão, embora no linguajar comum e até mesmo na prática jurídica tenha o sentido genérico de extinção contratual).
Para efeitos desta resenha, o que importa é o descumprimento da obrigação essencial de pagamento do preço, desde que obviamente não tenha como causa alguma outra infringência pelo incorporador ou loteador.
Interessa à sociedade como um todo o normal cumprimento do contrato, garantidor da paz social e gerador de riquezas circulares, quer para o setor privado, como para o poder público, via tributos, o que determina e explica a função social do contrato, que não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico (STJ, Resp. no 803.481-GO. Rel. Min. Nancy Andrighi).
A história do homem e a do direito apontam a necessidade de um estímulo contratual e legal para o adimplemento a tempo e modo do contrato, o que é representado pela cláusula penal. Não honrar a palavra dada gera consequências, faz nascer a imposição da penalidade prevista livremente em contrato ou estabelecida ou tarifada em lei.
Essa nova legislação tem dupla característica: é especial e superveniente ao Código de Defesa do Consumidor e, a par disso, se coaduna com princípios basilares da legislação consumerista, o da boa-fé objetiva e do equilíbrio nas relações de consumo. A nova lei reduz o tamanho da cláusula penal possível diante da letra do Código do Consumidor. Sim, seu art. 53 veda a previsão de perda total.
Agora, nas incorporações, a cláusula penal somente pode ser convencionada em até 50% (quando submetidas a patrimônio de afetação) e em até 25% (quando não sujeitas a esse regime jurídico). Se a unidade autônoma já lhe tiver sido disponibilizada, o adquirente responderá pelas perdas e danos correspondentes, previstos na lei ou no contrato.
E, nos parcelamentos do solo urbano, a cláusula penal estabelecida em contrato tem como teto 10% do valor atualizado do contrato, isto é, do preço da venda e compra, então compromissada.
Enfim, a nova lei certamente reordenará o relacionamento contratual em prol da sociedade e em particular do empreendimento e também do bom consumidor desse mesmo empreendimento, claramente prejudicado se seus companheiros de percurso descumprirem o prometido, colocando em risco o sucesso da empreitada comum. Alguém não deseja a paz social? Alguém venderia seu imóvel sem a previsão de cláusula penal suficiente a estimular e a induzir o pagamento do preço?
O viver em sociedade impõe a existência de regramentos que permitam uma paz social.